Pular para o conteúdo principal

O uso de maconha na adolescência e sua correlação com a esquizofrenia


E eu que nunca fumei maconha, me vejo inserida nesse contexto social e impulsionada a expor a experiência acerca da esquizofrenia vivenciada pelo meu filho, Arthur Miranda. Ele começou a fumar maconha aos 14 anos e usou-a de modo exacerbado durante cinco anos. Depois de todo esse tempo nas grimpas alucinógenas da maconha, o meu filho surtou. Por sete meses tentamos tirá-lo do surto psicótico: onde ele ouvia, 24 horas por dia, vozes e também via pessoas sem cabeça transitando pela casa... Por fim, ele se matou. Meu filho, poeta, estudante de arquitetura, aspirante a arquiteto da Aeronáutica...(jamais revelou quaisquer sintomas de anomalias mentais) Meu filho lindo, amado e tão festivo, se matou. Se eu sabia que ele usava maconha? Sim, eu sabia e vivia feliz pensando: 'que bom que ele SÓ usa maconha'. Eu não sabia, ele não sabia... ninguém podia imaginar que ele tinha predisposição genética para os transtornos mentais; que ele tinha predisposição genética para dependência química. Sabe, isso não sai em exame de sangue e nem no teste do pezinho.

A coisa mais incrível nessa história toda (e tudo que digo é provável com laudos, exames e testemunhas) é que meu filho depois do primeiro surto passou 5 meses e 27 dias sem ouvir às vozes e tudo indicava que ele poderia ter uma vida "normal" apesar do diagnóstico: "Esquizofrenia do tipo esquizoforme concomitante com o uso de tetra-hidrocarbinol"... Mas qual?, ele em sua ânsia de ter a certeza de que era mesmo a maconha que desencadeava os surtos, planejou uma recaída. E no dia do seu aniversário de 20 anos, fumou dois cigarros de maconha. A psiquiatra já o havia alertado que caso isso acontecesse ele enlouqueceria outra vez... Foi isso que aconteceu... E depois de dois meses em Franco Surto Psicótico ele optou pela automorte. Ele deixou toda a sua experiência com o uso da maconha e com o surto psicótico em um manuscrito do qual chamou de "No Jardim de ervas daninhas: pague para entrar e reze para sair". 

Não é verdade que ele queria morrer, pois ele amava viver, sorrir, brincar... Mas ele não suportava mais viver daquele ouvindo vozes e vendo acéfalos. Ele não queria morrer, ele só não queria mais sobreviver. É diferente.

Eu gostaria de deixar bem claro que a minha intenção ao relatar essa história não é a de promover debates sobre a legalização e/ou descriminalização da maconha ou quaisquer outras drogas, mas sim, propor a reflexão sobre os riscos da drogadição ativa na adolescência por indivíduos geneticamente predispostos.

Tenho "apanhado" muito com a exposição dessa história, mas também imensamente apoiada. Eu não gostaria que isso tivesse acontecido com o meu filho e eu jamais revelaria as minhas vísceras em público, não tivesse eu a plena certeza do que eu digo. Eu não exporia a vida do meu único filho ao escárnio, se ele mesmo, antes de decidir pela morte, não tivesse feito isso em suas redes sociais de modo a se colocar como exemplo. Eu poderia, agora que não tenho mais problema algum com drogas em casa, seguir vivendo a minha vida tranquila e ignorar o fato de que o exemplo do meu filho pode servir de alerta aos que ainda não entraram na drogadição. Eu poderia. Sim, eu poderia, mas a minha consciência social não me permite.

É preciso que os jovens compreendam que tudo na vida evolui e a cannabis evoluiu também: há trinta anos atrás a quantidade de THC (principal substância psicoativa encontrada na maconha) era de 6% e atualmente é 25% com a média a subir, nos próximos anos, cerca de 13%....). O Centro Nacional de Biotecnologia, numa uma revisão sistemática atualizada, mostrou que o uso de cannabis em adolescentes e desenvolvimento posterior de esquizofrenia

O estudo teve como objetivo revisar a literatura recente não incluída em revisões anteriores e verificar a correlação entre o uso precoce de maconha entre adolescentes, entre 12 e 18 anos de idade, e o desenvolvimento de esquizofrenia no início da idade adulta. Um outro objetivo foi determinar se a frequência do uso de maconha demonstrava algum efeito significativo no risco de desenvolver esquizofrenia no início da idade adulta. 

Foram examinados quinhentos e noventa e um estudos. Os estudo foram analisados ​​utilizando uma série de testes não paramétricos e meta-análise que mostraram uma diferença altamente significativa nas taxas de probabilidade para esquizofrenia entre usuários de alto e baixo consumo de cannabis. E naqueles que não fazem uso de cannabis, as chances são bem menores.


Texto de Clara Dawn, presidente e fundadora do IPAM-Instituto de Pesquisas Arthur Miranda em prevenção à drogadição, aos transtornos mentais e ao suicídio na infância e na adolescência. Texto publicado originalmente em 2014, um ano depois do suicídio de seu filho, Arthur Miranda. Desde então, ela tem se dedico às pesquisas teóricas e de campo. 

Comentários

Mais vistos

Distante - por Arthur Miranda

"Tenho andado de mim tão distante  Parece que minha sombra fugiu de repente Meus pensamentos navegam absortos Num navio carregado de drogas e 'abortos'. Sinto saudades de mim. Onde foi que eu me perdi? Tornei-me num labirinto escuro Não consigo encontrar-me, com esses altos muros. A gente é aquilo que se habitua  Se drogar e aí a mente flutua, Deixando varias marcas No pulso as cicatrizes de cortes de facas Passando a ser um vegetal  Que agora se alimenta de droga respirável Se tornando para os outros, um miserável Com o raciocínio de um animal  A morte mãe agora me alimenta Minha vida ela frequenta Como não sinto mais pavor Por ela sinto apenas outro tipo de amor". Arthur Miranda (Trecho do livro: O Jardim de Ervas Daninhas - Pague para entrar e reze para sair - por Arthur Miranda - prelo).

O Uso de Maconha na Adolescência e Sua Relação com a Esquizofrenia: Riscos, Evidências e Estratégias de Prevenção

O uso de cannabis durante o período crítico de neurodesenvolvimento da adolescência pode levar a alterações estruturais, funcionais e histológicas cerebrais que podem sustentar alguns dos danos comportamentais e psicológicos de longo prazo associados a ele. O sistema endocanabinoide desempenha um papel regulador e homeostático fundamental, que passa por mudanças de desenvolvimento durante a adolescência, tornando-o potencialmente mais suscetível aos efeitos da exposição à cannabis durante a adolescência. Aqui, sintetizamos evidências de estudos humanos de usuários adolescentes de cannabis mostrando alterações no desempenho cognitivo, bem como na estrutura e função do cérebro com evidências pré-clínicas relevantes para resumir o estado atual do conhecimento. Este artigo explora a relação entre o uso de maconha na adolescência e o desenvolvimento de esquizofrenia, destacando evidências científicas recentes e sugerindo estratégias para prevenção e intervenção. Evidências Científicas Sob...

Deserto de mim - por Arthur Miranda

Atravesso esse deserto de mortalidade A cada metro que transcorro Ele de mim se vangloria Colocando em minha mente A sua imensidão  Não importa o quanto eu ande Os meus olhos só veem areia Não estou desesperando Nem inquieto Apesar das alucinações Estou decidido a atravessar o deserto Permaneço andando lento e reto Há algo que vai me animando Não estou morrendo Estou me encontrando Apesar de parecer que estou me perdendo. (Trecho do livro: O Jardim de Ervas Daninhas - Pague para entrar e reze para sair - por Arthur Miranda - Prelo).